Balanço 2015/Perspetivas 2016: Cloud Computing no centro da revolução digital na Europa em 2016
Desafiado pelo TeK para fazer o balanço de 2015 e perspetivar 2016, o presidente da Eurocloud em Portugal lamenta o atraso na adoção da Cloud na Europa, mas admite que 2016 será o ano de concretização de medidas que vão impulsionar esta revolução.
O desenvolvimento do Cloud Computing na Europa tem sido efetuado de forma quase silenciosa, mas de acordo com estudos recentes poderemos mesmo afirmar que este desenvolvimento tem na verdade acontecido de forma muito “tímida”. Segundo estudos do Eurostat, na Europa menos de 20% das empresas utilizam soluções Cloud. Quando comparamos este cenário com números do mercado americano, onde estudos idênticos apontam para valores de utilização superiores a 80%, torna-se claro que ainda é necessário percorrer um longo caminho para que a adoção da Cloud na Europa seja uma realidade. Sem uma forte procura, e existindo do lado da oferta um enorme conjunto de barreiras, as oportunidades criadas, pela tão espera revolução apresentada por este novo paradigma, têm demorado a ter o impacto esperado.
São conhecidas muitas das debilidades e obstáculos do mercado Europeu que contribuem para este cenário. Para além da fragmentação existente no mercado digital, resultado das barreiras à criação de um verdadeiro mercado digital Europeu, que impedem, por exemplo, o desenvolvimento de operadores locais com serviços à escala Europeia, existem também questões fundamentais relacionados com segurança e privacidade dos dados. Este fator é particularmente determinante pois tem um impacto na procura, pela redução da confiança dos consumidores e, ao mesmo tempo, tem um impacto na oferta de soluções, pois impossibilita que os fornecedores, em particular os fornecedores de referência americanos, como exemplo, Google, Microsoft, IBM, Rackspace, entre outros, desenvolvam verdadeiras estratégias de escala Europeia.
Apesar dos esforços para que o acordo de “Safe Harbor”, que existia entre a Europa e os Estados Unidos, pudesse ser utilizado pelas empresas americanas para declarar que executam os seus serviços de acordo com a legislação de proteção de dados Europeia, salvaguardando assim em particular os dados na Cloud, o ano de 2015 poderá ser considerado um grande ponto de viragem no desenvolvimento de politicas neste campo. Após um processo apresentado pelo estudante universitário Austriaco, Max Schrems, contra o Facebook, o Tribunal Europeu de Justiça, no Luxemburgo, decretou a anulação do acordo “Safe Harbor” em Outubro de 2015.
Como resposta imediata a este processo, empresas como a Salesforce e a Microsoft têm desenvolvido estratégias para aumentar a confiança dos seus consumidores Europeus. A Salesforce viu recentemente aprovado pela autoridade Francesa para a proteção de dados, o pedido de validação de um código de conduta do tipo "Binding Corporate Rules" (BCR), no entanto este tipo de acordos é considerado por muitos especialistas um instrumento frágil, por exemplo, em Portugal existem muitas dúvidas de que a Comissão Nacional de Proteção de Dados aceite este tipo de mecanismos. No caso da Microsoft, e para além de também recorrer a mecanimos idênticos aos utilizados pela SalesForce, é importante referir o exemplo do acordo que a Microsoft alcançou em Novembro de 2015 com Deutsche Telekom (DT). Neste acordo a DT funcionará como um “fiel depositário” dos dados existentes nos serviços fornecedidos pelas infraestruturas criadas no âmbito desta parceria, salvaguardando assim a total proteção dos dados dos utilizadores na Alemanha.
O ano de 2016 será sem dúvida um ano decisivo neste campo, pois todas as medidas que agora estão a ser desenvolvidas, como são exemplo os esforços da Microsoft e da Salesforce, vão ser verdadeiramente testadas pelo mercado, e mais importante, surgirão com certeza novos processos processos judiciais, colocando assim uma verdadeira pressão nas autoridades europeias e americanas para que se encontrem soluções mais estáveis e duradouras.
Neste âmbito, a Comissão Europeia tem concentrado grande parte dos seus esforços na revisão da diretiva de proteção de dados, visando dar o total controlo dos dados aos cidadãos e simplificar a regulamentação para as empresas. Como resultado deste esforço espera-se que durante 2016 possamos ter acesso a um modelo de regras comum para a proteção de dados em todos os paises da comunidade europeia.
Como referido, o tema da proteção de dados e privacidade é um dos grandes obstáculos ao desenvolvimento da Cloud na Europa, no entanto a inexistência de um verdadeiro mercado digital Europeu é sem duvida um dos grandes responsaveis pelo “tímido” crescimento na adoção de Cloud Computing pelos Europeus. De acordo com números da própria Comissão Europeia, cerca de 325 milhoes de europeus utilizam a Internet todos os dias, no entanto só 4% utiliza serviços fornecidos por um fornecedor Europeu fora do seu país, sendo que 54% utiliza serviços fornecidos por empresas americanas. Para este cenário contribuem fatores como a complexidade legal, dificuldades no processamento do IVA, os custos na entrega final dos serviços, ou mesmo o processamento das garantias e devoluções. Para resolver todos estes problemas, e criar um verdadeiro mercado digital europeu, a Comissão Europeia apresentou em finais de 2015 a proposta para a criação do “Mercado Único Digital”, esta iniciativa é liderada pelo Vice Presidente da Comissão Europeia, Andrus Ansip, e pelo comissário Gunther H. Oettinger. Já em 2016 vão ser apresentadas propostas para a reforma da propriedade intelectual digital e para a simplificação do IVA. Mais importante ainda, vão ser apresentadas medidas claras para a livre circulação de dados e para que seja desenvolvida uma verdadeira plataforma de Cloud Europeia.
Com esta iniciativa, a Europa demonstra que apesar do desenvolvimento silencioso, ou crescimento “tímido”, continua a acreditar que o Cloud Computing possui um papel único, e central, na revolução digital que se espera aconteça já em 2016.
(*) Paulo Calçada - fundador da European Association for Cloud Computing (EuroCloud) e presidente do capitulo português da associação